O real: a resposta da ciência e a resposta do psicanalista
DOI:
https://doi.org/10.31683/stylus.vi26.749Palavras-chave:
Real, ciência, resposta, psicanalista, epistemologiaResumo
O objetivo desta apresentação é abordar a questão do que responde o analista ao mal-estar do existir na civilização, buscando-se a especificidade de sua oferta em relação à de outro campo historicamente articulado. Para isso, problematizam-se as conexões entre Psicanálise e Ciência, retomando-se como o capitalismo, liberto da necessidade de sua base religiosa, emancipou-se do pai do protestantismo puritano e passou a definir sua filosofia, ética, objetos específicos de demanda (mercadorias), sua lógica de gozo (discurso do capitalista) e sua maneira particular de produzir o seu saber: a ciência moderna, fundamentada na eliminação das singularidades do objeto de estudos, na foraclusão do sujeito, no desaparecimento do nome do autor (FOUCAULT, O que é um autor?, 1983 [1969]) e na progressiva destituição subjetiva dos próprios cientistas (SOLER, Variantes da destituição subjetiva, 2002). Interrogam-se as relações entre Psicanálise e Ciência, relembrando-se as contradições aparentes entre, de um lado, a convicção freudiana da cientificidade da psicanálise – “A psicanálise não precisa de uma Weltanschauung; faz parte da ciência e pode aderir à Weltanschauung científica” (FREUD, 1933/1980, p. 220) – defendida também por Lacan até meados dos anos 60. E, de outro, as afirmações lacanianas defendendo a sua exclusão interna do campo da ciência, mais para o final da sua obra. Propõe-se que uma busca de entendimento dessas contradições deva enfocar o modo como o avanço decisivo de Lacan para o campo do gozo (o campo propriamente lacaniano) e a delimitação rigorosa da noção de real vieram a convocar uma forma inovadora de resposta do analista, em sua tarefa de conduzir a clínica. Resposta esta congruente com a revelação de uma opacidade intransponível, que aponta um limite na busca de sentido das interpretações. Isso exigiu a formulação de uma margem de liberdade para o sujeito e de uma direção para a busca de saber, que apontam diferenças importantes em relação ao que acontece nos demais campos científicos. A opacidade do real, agora posta no interior do campo como um elemento conceitual necessário e n.o eliminável – uma vez que intrínseca ao próprio objeto que se trata de investigar –, não mais constitui resíduo que se possa conceber como provisório, cuja eliminação se possa esperar a partir de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos futuros.
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